Masculinidade em cheque #97 ♟️
Como fica o papel dos homens em um cenário cada vez mais contestador.
Quando a gente fala sobre comportamento do consumidor, parece que estamos olhando para uma massa homogênea de escolhas racionais, baseadas em preço, qualidade e necessidade. Mas basta cavar um pouco mais fundo pra ver que, por trás das decisões de compra, estão identidades em construção – e, entre elas, a masculinidade ocupa um lugar central e muitas vezes invisível. Nesta edição da Nós da Cordão, a gente quer colocar essa lente sobre a ideia do que é "ser homem" impacta nos comportamentos da nossa sociedade.
Estamos falando do impacto da pornografia na forma como os homens se relacionam, da influência profunda da formação nos anos iniciais da vida – muitas vezes marcada pela repressão emocional e pela cobrança de desempenho – e até da predileção literária por narrativas que reforçam um certo ideal de força, controle e heroísmo. Ao entender esses atravessamentos, a gente consegue pensar em estratégias mais conscientes, inclusivas e, quem diria, mais eficientes. Vem com a gente.
Quando os meninos ficam para trás
Já no início da vida escolar, os meninos chegam em desvantagem: segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Infantil dos EUA, apenas 58% dos meninos entre 3 e 5 anos foram considerados preparados para o jardim de infância, contra 71% das meninas — um gap que tende a aumentar com o tempo.
Essa defasagem não é só cognitiva, mas emocional e comportamental: meninos apresentam menor controle de emoções, autorregulação e foco, e acabam sendo penalizados por não “acompanhar o ritmo”. Mesmo com pesquisas mostram que o cérebro masculino amadurece mais devagar nessas áreas, o sistema escolar trata todos da mesma forma, exigindo foco e disciplina precoce — o que acaba punindo os meninos por simplesmente serem... crianças.
O cenário se agrava na adolescência e vida adulta: três em cada quatro mortes por suicídio ou overdose nos EUA são de homens, e um em cada sete relata não ter nenhum amigo próximo, mostrando que os problemas educacionais são só o começo de uma exclusão mais ampla.
Falta match, sobra planilha
Não é de hoje que se sabe que há um desequilibro entre solteirice por gênero. Nos EUA, há 60% mais mulheres com ensino superior do que homens na faixa dos 22 a 29 anos — o que criou um "déficit de homens desejáveis" para relacionamentos heterossexuais. Ele já começa a moldar o comportamento afetivo de uma geração que não está solteira por escolha — mas por falta de opção.
Logo, a correção para essa anomalia vem como resposta tal qual um problema econômico: no livro “Date-onomics”, de Jon Birger, sugere que mulheres resolvem o “mercado desfavorável” escolhendo faculdades com mais homens, mudando de carreira ou casando mais cedo. Mesmo com mais homens do que mulheres na plataforma, apps como o Tinder contribuem para a “mentalidade de mercado” nas relações – transformando pessoas em perfis descartáveis.
Com o jogo afetivo cada vez mais complexo, o amor também passou a exigir pragmatismo. Apps e startups voltados para todas as jornadas de relacionamento tem sido a aposta para o mercado que se criou de paquera: o mais impressionante é o Divorce.com que oferece um divórcio “totalmente guiado” de US$ 2 mil, com documentação personalizada, processo judicial e quatro sessões de mediação.
A geração moldada pelo pornô
A iniciação sexual de boa parte dos meninos não vem de uma conversa, uma relação ou sequer de um toque — vem da tela. Segundo a Common Sense Media, 64% dos meninos e 18% das meninas já tinham sido expostos à pornografia antes dos 13 anos. Quando o primeiro contato com o sexo é moldado por imagens hiperestimulantes, sem afeto ou contexto, não é exagero dizer que isso redefine como essa geração aprende a desejar.
E o consumo está longe de ser casual: jovens de 18 a 30 anos assistem dois milhões de vídeos por minuto no Pornhub. É um dado que escancara o volume, mas também o vazio — porque, ao mesmo tempo, pesquisas mostram que esses mesmos homens estão transando menos, saindo menos, se relacionando menos. A pornografia preenche, mas não substitui.
O efeito é visível no corpo e na psique. O número de homens jovens que não teve nenhuma relação sexual no último ano triplicou entre 2010 e 2023, segundo o General Social Survey. Isso não é só sobre libido: é sobre solidão, medo da intimidade, fuga do contato. O pornô virou uma espécie de anestesia — instantânea, fácil, mas com efeitos colaterais profundos.
Homens, ficção e o medo de sentir
A leitura de ficção por homens está em declínio — e não é só preguiça. Na ausência de um modelo positivo de como existir no mundo pós-MeToo, correram para promover sua ideia de como a masculinidade deveria ser. Nisso, fez emergir um movimento online que idolatra o homem “autossuficiente”, emocionalmente fechado e focado em status, e que tem transformado sensibilidade em fraqueza, e livros de ficção viraram alvo fácil dessa rejeição.
Para muitos, ler virou sinônimo de melhorar performance, não de mergulhar no subjetivo. Uma pesquisa mostrou que apenas 20% dos leitores ávidos de ficção nos EUA são homens — e isso se agrava entre os mais jovens.
Só que essa “fobia da ficção” é mais social do que natural: raça, classe e escolaridade moldam quem lê — e entre os homens, há também um gap de gênero significativo. Segundo o Pew Research Center, 77% das mulheres nos EUA leram pelo menos um livro no último ano, contra 65% dos homens.
6
em cada 10 meninos no Brasil não tem referência positiva de masculinidade. O estudo nacional realizado pelo Instituto PDH e PapodeHomem, viabilizado pela Natura e com apoio do Pacto Global da ONU no Brasil, ouviu mais de 4 mil adolescentes
81%
dos homens consideram o Brasil um país machista. A pesquisa aponta que os estereótipos do comportamento masculino causam dificuldades aos homens, já que 66,5% deles não falam com os amigos sobre medos e sentimentos.
1
em cada 5 homens nas Américas não alcancem os 50 anos. A principal responsável? A masculinidade tóxica. Além da violência, a negligência com a própria saúde e o estigma com problemas de saúde mental agravam esse quadro.
13%
quanto o Brasil já representa no mercado global de beleza masculina. É o quarto maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão.
80%
dos homens brasileiros nunca fizeram terapia. A faixa etária que mais se destacada é a dos homens de 25 anos aos 34 anos, que representam 21%. A menor é a dos homens 45 anos ou mais, que são apenas 13%.