Parecia um cenário inalterado: as políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) nas empresas ganhando mais espaço, cargos e setores dedicados à pasta, marcas apresentando programas e altos investimentos. Porém, nos últimos meses, grandes marcas anunciaram o corte ou extinção dos seus programas, varrendo por terra o que parecia ser um campo fértil do mundo corporativo.
Com os novos movimentos, muitas marcas estão se questionando que caminho seguir. E se tem marca e pessoas no centro, a Nós da Cordão não poderia ficar de fora dessa discussão. Preparamos uma newsletter com o que pode ser o futuro - e não o seu fim - e com aquele célebre recado: nada está ganho.
A virada de agenda
A última vitória de Donald Trump ao cargo de presidente dos EUA ajudam a explicar este momento, com algumas medidas radicais que sucederam à sua posse e suspenderam programas federais de DEI. Mas, na verdade, só a sensação de uma possível vitória fez com que empresas como Walmart, Amazon e Meta anteciparem as medidas anti-DEI da sua posse, algumas ainda em 2024.
O caráter destas suspensões é bastante variado: algumas empresas resolveram “congelar” os programas, que passarão por revisões, principalmente de metas e objetivos, bem como medidas mais radicais como suspensão de núcleos internos dedicados à pasta, bem como demissões. No meio de todos esses acontecimentos, sobrou até para a culpa nos incêndios que devastaram Los Angeles os programas de DEI nas empresas.
O mais impressionante é que não faltam dados para apoiar os programas e iniciativas: um estudo da McKinsey de 2023 descobriu que empresas com equipes de liderança diversificadas tinham 39% mais probabilidade de superar financeiramente seus concorrentes.
Era modismo ou falta de competência?
O Relatório de RH de 2024 da Gartner afirmou que organizações com culturas inclusivas veem um aumento de 20% na inovação e um aumento de 5x no engajamento dos funcionários. Porém, tais números não parecem representar a realidade de algumas empresas que há tempos já não se comprometiam com transparência das metas ou com o anúncio dos seus resultados, causando dúvida se elas estavam só querendo ganhar atenção ou se não sabiam aplicar tais políticas internamente.
E isso nem é tão recente: um texto de 2019 mostrava que apenas 36% dos líderes de diversidade e inclusão relatavam que suas organizações eram eficazes na construção de uma força de trabalho diversificada, enquanto 80% das organizações se classificavam como ineficazes no desenvolvimento de uma liderança diversificada e inclusiva.
Anos mais tarde, o cenário não parecia mais promissor. Em um estudo com profissionais de RH, 3% dos 400 entrevistados citaram DEI como principal desafio do RH - essa mesma preocupação já foi maior que 11% em 2020. Outro dado da mesma pesquisa mostra a falta de priorização no dia a dia de trabalho, com só 1,5% tendo o DEI no topo da sua lista de afazeres.
E no Brasil, será que a moda pega?
Para a diretora executiva do Instituto Mover, Natália Paiva, “os EUA não são o mundo”, por isso, o contexto político e social de cada país deve ser analisado quando pensamos nos programas DEI. Por exemplo, nossa população negra é de 53%, enquanto a norte-americana chega a 14%.
O Instituto +Diversidade também manifesta otimismo em relação às práticas das empresas brasileiras, conforme o post de compromisso publicado no seu Linkedin. E até mesmo empresas cuja sede mundial resolveram “dar pra trás” com as prioridades de DEI, como Mc Donalds, a sua operadora no Brasil e em 19 países da América Latina diz que mantém comprometida com as causas.
A contra-cultura emerge
Mas tem muita marca aproveitando esse momento para se posicionar e reforçar seu compromisso com a pauta. E nacional! É o caso da Natura que reafirmou seu comprometimento com a pasta em um manifesto publicado no mês passado. A carta reafirma os compromissos com diversidade, inclusão e com as políticas de ESG, e manda um recado bem claro no seu título de que “a vida não aceita retrocessos".
Outra empresa, também brasileira, que se posicionou foi a Rede Pernambucanas. A diretora de Sustentabilidade, Gestão, Gente e Comunicação da empresa conta um pouco do projeto que possibilitou empregar mais de 300 pessoas trans, em que a empresa deu suporte não só para as pessoas como para os times, líderes e alta liderança. Um resultado incrível foi que o Censo de Diversidade interno constatou que 100% das pessoas colaboradoras trans se sentem seguras no ambiente de trabalho. Vale lembrar que a comunidade trans é a mais atacada pelas novas diretrizes de Trump.
Mais uma iniciativa brasileira que merece destaque é do Grupo Carrefour Brasil. Nem a empresa esconde os escândalos passados e, por isso, durante o último mês, não só reafirmou seu compromisso com a inclusão e a diversidade, como estipulou metas até 2030 para colocar 50% pessoas negras e 40% de mulheres em cargos de liderança. Um dado interessante é que o grupo promoveu a Diretor Sênior, Claudionor Alves, que assumia o cargo como Diretor Executivo desde maio de 2023 e, segundo o próprio, só chegou a ele por conta dos programas de inclusão e desenvolvimento.
123%
crescimento de vagas de DEI três meses após o assassinato de George Floyd, em 2020.
19%
queda na oferta de cargos de função de DEI em 2022, um declínio maior do que de empregos em recursos humanos jurídicos ou gerais.
35%
mais probabilidade de empresas com programas de DEI ter retornos financeiros acima das medianas de seus respectivos setores nacionais.
-9%
queda no número de empresas que identificaram a diversidade de gênero como uma prioridade: de 87% em 2019 para 78% em 2024.
31
investidores do Walmart pediram explicações à empresa sobre sua decisão de reduzir iniciativas de DEI. Juntos, administram ou assessoram ativos avaliados em US$ 266 bilhões.