Tenho certeza de que isso não acontece só comigo. Quase que diariamente, eu me deparo com notícias que parecem ter saído de um episódio de ficção científica. Levo o soco da informação, imagino cenários distópicos nada animadores, sacudo os pensamentos e volto à rotina. Trabalho um pouco. Coloco as roupas para lavar. Reclamo do aumento do IOF. Até que a próxima notícia me pegue (novamente!) desprevenida.
Ao trocar ideias com colegas em uma mesa de reunião - ou com amigos em uma mesa de bar - vejo que a turma dos utópicos ou resistentes ainda é maioria. O mundo não deverá mudar tanto assim. Não tão rápido. Não por aqui. Não às custas do nosso emprego ou do nosso negócio. Estes dias li uma frase que se encaixa muito bem neste nosso comportamento coletivo de minimizar as possibilidades ou evitar pensar muito sobre elas: “a natureza da vida é a mudança. E a natureza das pessoas é resistir à mudança". Mas, infelizmente, neste caso, resistir às mudanças não fará a menor diferença.
Entender as possibilidades - sejam elas utópicas, distópicas ou absolutamente sem graça - é essencial para fazermos boas escolhas. O futuro não é algo que acontece conosco e sim algo que fazemos acontecer. Neste cenário caótico, imprevisível, no qual é impossível ter certezas, uma visão estratégica clara é o único meio de se aproximar de futuros que sejam mais favoráveis para nós.
Por isso, essa edição da Nós da Cordão é uma coleção de possibilidades que podem dar um frio na espinha, mas também provocar bons insights para o seu negócio.
Salvem nossos empregos
A Inteligência Artificial Geral é a ideia de criar uma IA tão inteligente que consiga fazer melhor do que os humanos a maioria dos trabalhos importantes e que geram dinheiro. Toda semana surge uma nova previsão sobre quando isso será alcançado. Alguns dizem que será em 2027. Outros duvidam. O fato é que, com ou sem ela, o movimento de substituição da mão de obra humana pela artificial já começou.
As ondas maiores de demissões estão nas notícias — a Microsoft demitiu engenheiros de software , a Duolingo substituiu redatores bilíngues contratados, e o Walmart demitiu sua equipe de tecnologia há poucas semanas. Como vemos neste artigo, diferente do que se imaginava, os “layoffs” incluem profissionais gabaritados, de alto escalão e - acredite - até líderes responsáveis pela própria implementação de IA. Após concluírem seus trabalhos se tornaram obsoletos e, assim, foram descartados.
Há quem argumente que tudo isto é exagero e que enquanto gurus e startups vendem utopias de automação, as empresas que realmente constroem essa tecnologia contratam milhares de pessoas. Mas, ainda assim é preciso refletir sobre este possível neo-desemprego. Como ele pode afetar nossas carreiras e profissões? Como poderemos construir uma marca empregadora atrativa ou criar um ambiente com segurança psicológica para colaboradores? Como criar oportunidades de negócio para requalificar esta imensa mão de obra obsoleta? Ou ainda: como vender para uma massa de pessoas cujo senso de utilidade pode ser tão brutalmente afetado?
Do ponto de vista social, as possibilidades são muitas e talvez ainda mais assustadoras. Afinal, quando governos e empresas não dependerem mais de humanos para gerar sua riqueza, que influência os cidadãos tem para exigir os ingredientes da democracia e de uma vida confortável?
Não era amor, era IA
Enquanto algumas pessoas se perguntam se a IA vai tomar seu lugar na firma, outras já a colocaram no lugar mais íntimo possível: o de parceiro(a). A tecnologia atual nos permite criar cenários para lá de bizarros. Como o recém inaugurado cyber bordel oferece bonecas de silicone e equipamentos para uma realidade imersiva e virtual (olhe aqui como funciona).
Hoje, 1/4 da população global já se sente profundamente só. A carência emocional e o medo de rejeição criaram um terreno fértil para relações com inteligências artificiais: companhias que não julgam, não desafiam, não exigem reciprocidade. A IA, inclusive, tem se tornado complacente e puxa-saco nas interações. O próprio Sam Altman concordou que o ChatGPT tem sido um grande puxa-saco, evitando confrontar os usuários mesmo diante de ideias absurdas. O motivo? A IA aprendeu que é deste tipo de tratamento que nós, humanos, gostamos.
Isso me leva a pensar na grande oportunidade de um marketing realmente relacional. Na qual as empresas podem interagir de forma realmente humana e íntima com seus consumidores. Isso se torna ainda mais possível com o uso dos agentes de IA, sistemas autônomos que, além de preencher nossos buracos emocionais, podem resolver nossa vida e dar contas das enfadonhas tarefas da rotina (o que já é bem mais do que faz muita gente).
Neste cenário, será que as pessoas vão preferir marcas com uma “personalidade” que gostam mais? Que vão preferir comprar das marcas pelas quais sentem maior afinidade, amizade ou até amor? E, sobretudo, como criar este nível de relacionamento de forma ética?
O silencioso risco ambiental
Por trás das promessas da IA existe uma pegada energética que ninguém quer pôr no slide. Data centers que abastecem modelos generativos já consomem mais energia que países inteiros. Em algumas regiões (como no Chile e recentemente até aqui no Brasil), há brigas por acesso à água, necessária em abundância para resfriar servidores. Numa era em que “sustentabilidade” é slogan, talvez valha perguntar: o que significa inovar, quando a inovação consome o futuro?
A queda dos modelos de negócio no mkt
Os grandes grupos de propaganda correm para prometer que a IA agora é um grande diferencial de sua oferta. A WPP anunciou um investimento de £ 250 milhões por ano em IA ; o Publicis Groupe, € 300 milhões ao longo de três anos. No entanto, é quase possível escutar o ruído deste modelo de negócio desmoronar.
Com a capacidade de produzir conteúdo em escala e velocidade sem precedentes, tarefas que antes demandavam dias de trabalho humano agora podem ser realizadas por algoritmos em questão de minutos. Os exemplos de marcas com sistemas quase-independentes é gigante. Recentemente, a Coca-Cola lançou um sistema que torna seu Brand-Book obsoleto. O Carrefour apresentou seu próprio Marketing Studio. A MasterCard desenvolveu seu próprio sistema de monitoramento de trends.
Essa transformação questiona a lógica de cobrança baseada no tempo investido, evidenciando a necessidade de modelos que reflitam o valor entregue, não apenas o esforço despendido.
Mas, há sempre mais formas de olhar para uma questão. Me lembro do me disse Dan Gardner em uma entrevista durante o WebSummit Lisboa: “Eu sempre quis que houvesse mais orçamento e mais tempo para meus projetos, e agora tenho tecnologia que me dá mais tempo, e talvez eu pudesse usar o orçamento de maneiras diferentes para fazer algo mais impactante. Então talvez seja a melhor coisa para a indústria criativa, e não a pior”.
10x
mais rápido - é o quanto a produção de conteúdo na Coca-Cola acelerou com a implementação do Project Fizzion, uma IA integrada ao Adobe Creative Cloud que transforma diretrizes de marca em ativos inteligentes.
92 milhões
de empregos podem desaparecer até 2030 devido à automação e à IA, segundo o Fórum Econômico Mundial.
1 em cada 10 brasileiros
utiliza chats de IA como amigos ou conselheiros, indicando uma tendência crescente de apego emocional a robôs.
300 toneladas de CO₂
é o quanto de carbono o treinamento de grandes modelos de linguagem de IA pode emitir na atmosfera, equivalente a 125 voos de ida e volta entre Nova York e Pequim.
2 a 5 litros de água
é o quanto cada imagem gerada por IA pode consumir para resfriar os servidores, totalizando 216 milhões de litros em uma semana.
460 terawatts/hora
é o consumo estimado de energia necessária para alimentar data centers em 2026. Para ter uma ideia, essa quantidade é equivalente a 90% do consumo de energia do Brasil.