Esta é mais uma edição que aprofunda os principais temas discutidos no SXSW 2024. Mas, hoje vamos dar um tempo no papo futurista high-tech para falar um pouco sobre a dicotomia entre solidão e conexão. Afinal, quanto mais conectados estamos, mais nos sentimos sós.
E, para quem acha que esse papo de solidão não tem nada a ver com marcas ou negócios, recomendo fortemente que leia até o final. Vamos lá?
Estamos todos sós
Cerca de um quarto dos 8 bilhões de habitantes do planeta está se sentindo profundamente só - uma condição que, pela primeira vez, é observado em pessoas de todas as faixas etárias e condições sociais.
Isso importa pois uma solidão desta grandeza possui graves consequências de saúde pública. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde afirmou que sentir-se só é tão prejudicial para a saúde do que fumar 15 cigarros ao dia.
A curiosidade me fez buscar dados nacionais. O país do samba, do futebol e do sorriso no rosto deve estar se sentindo menos sozinho do que o restante do mundo. Certo? Errado! Na verdade, uma pesquisa mostrou que somos o país que mais relata sentir-se só. Com metade de nós sentindo-se sozinhos, enquanto a média mundial é 33%.
Intimidade artificial
A psicologa Esther Perell sugere que sofremos os efeitos da intimidade artificial. Para ela, existe uma co-relação entre estarmos hiper-conectados uns com os outros nas rede sociais e nos sentirmos sós em nossa vida real. Isso acontece pois os relacionamentos digitais são supérfluos e não formam um sentimento de pertencimento, vulnerabilidade, confiança e amparo. "Eu posso ter 1000 amigos virtuais, mas ninguém para alimentar meu gato. A solidão moderna é mascarada pela hiper-conectividade" - afirmou.
Além de promover relacionamentos superficiais no mundo digital, as redes sociais também prejudicam nossos relacionamentos na vida real, sequestrando nossa atenção. Esther apontou que as redes têm expandido o conceito de "Ambiguous Loss", um termo psiquiátrico que descreve a perda de conexão emocional mesmo quando a presença física da pessoa está presente, como ocorre, por exemplo, com pacientes com Alzheimer. Hoje, ao nos concentrarmos em nossos celulares em vez de interagir com as pessoas ao nosso redor, reproduzimos essa desconexão.
A dicotomia entre solidão e conexão foi pano de fundo de conversas cheias de insight entre Esther e Brené Brown e Esther e Trevor Noah (vídeo abaixo). Estas conversas são o puro suco da inspiração e valem cada segundo do seu tempo.
Minha amiga, IA
A solução que a humanidade está buscando para a epidemia de solidão vai na contramão do que Esther, Brené e Trevor sugeriram em seus painéis. Estamos tentando preencher os espaços vazios em nossa vida com companhias artificiais, sendo que este é o uso mais comum de recursos de inteligência artificial.
A ferramenta mais usada atualmente é a Character.ia, através da qual você pode criar personagens para interação, incluindo até simular conversas com celebridades ou pessoas conhecidas. Além de buscar por amizade, as pessoas tem buscado a IA para relacionamentos românticos e até companhia para crianças.
Apesar de ser uma entusiasta da tecnologia, não pude deixar de achar estas soluções muito, muito tristes - e mais distópicas do que utópicas. Para quem quer pensar um pouco sobre este tipo de sociedade na qual a IA é nossa principal companhia, recomendo assistir o filme Her (sobre relacionamentos) e o livro Klara e o Sol (sobre companhia de AI para crianças).
Escritório = lugar de conexão
Sou uma eterna defensora do home-office. Mas, precisamos admitir que trabalhar de casa aprofunda a sensação de solidão. Os escritórios sempre foram pontos de encontro importantes em nossa vida, tanto que um em cada três relacionamentos românticos começam no trabalho.
Durante o painel "Culturally Confronting Loneliness“ Justin McLeod e Ann Shocket defenderam que as empresas precisam incluir o combate à solidão como uma das principais pautas de gestão de pessoas. Para muito além de “um retorno obrigatório aos escritórios", eles sugerem a criação de rituais relacionais, como a vulnerabilidade em reuniões e verificações diárias com colegas, além da criação de métricas de pertencimento e bem-estar dos colaboradores.
Eles também provocaram as empresas, especialmente as de tecnologia, a refletir sobre como os produtos e serviços podem facilitar conexões humanas genuínas em vez de isolar as pessoas.
O papel das marcas
As marcas sempre funcionaram como elementos sociais de conexão entre pessoas que tinham visões semelhantes sobre o mundo - ou, no mínimo, o mesmo gosto para escolher determinado produto. Mas hoje, precisamos refletir sobre como as marcas podem ajudar as pessoas a sentirem-se verdadeiramente conectadas?
A palestra “Beyond Today's Trends: Future Consumer Economies” trouxe exemplos que vão desde uma marca holandesa de supermercados que redesenhou suas lojas para oferecer espaços de convívio social até o hotel que se propõe a ser a rede de apoio da vizinhança (seja para pegar açúcar emprestado ou receber uma encomenda).
Esta discussão vai passar - necessariamente - pelo entendimento da importância das micro-comunidades e o novo papel das redes sociais. Mas, este é assunto para uma próxima edição!
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Primeiro lugar
é a posição que o Brasil ocupa na lista dos países cujos moradores mais se sentem sozinhos. Os dados são de uma pesquisa de 2021 do Instituto Ipsos, que ouviu 23 mil pessoas de 28 países.
1 em cada 4
brasileiros diz não ter nenhum amigo para confiar, de acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva.
70%
de usuários de mídias sociais afirmam se sentir sozinhos em 2024, em comparação com 53% que afirmavam o mesmo em 2019. Dados da Bain Company, na palestra Beyond Today's Trends: Future Consumer Economies.
45%
é a redução nas interações pessoais entre adolescentes americanos entre 2023 e 2022. Dados da Bain Company, na palestra Beyond Today's Trends: Future Consumer Economies.
70%
é a redução no tempo gasto em conexão presencial com outras pessoas, em comparação 20 anos atrás de acordo com estudos da Virginia Tech - citado na palestra "Culturally Confronting Loneliness“.
43%
das pessoas dizem que o trabalho é o momento mais solitário do seu dia, de acordo com pesquisa citada na palestra "Culturally Confronting Loneliness“.
Na semana passada estivemos participando de mais uma edição da Gramado Summit - pelo quinto ano consecutivo. Eu, Daniele Lazzarotto, palestrei no Palco Share falando sobre como criar marcas de sucesso na era da Inteligência Artificial para uma plateia lotada. Obrigada a todos que estiveram por lá!
Também tive a honra de moderar um painel sobre “O Brasil de Verdade na comunicação" com com Felippe Guerra, Michel Couto, Naia Tupinambá e Bekoy Tupinambá. A conversa teve falas muito potentes que ensinaram e emocionaram - levando a platéia às lágrimas. Para fazer jus à grandiosidade desta discussão, este painel em breve ganhará um texto mais profundo.
Para registar os insights que rolaram por lá, eu conversei com palestrantes como Dado Schneider, Beatriz Guarezi, Luiz Telles, Deh Bastos e Bruno Scartozzoni para que eles nos trouxessem um insight da suas palestras em apenas um minuto. Estas entrevistas rápidas e cheias de aprendizados você confere nos destaques do nosso instagram.
E hoje começa mais uma edição do WebSummit Rio. Também estaremos por lá acompanhando as principais discussões que, em breve, você lê por aqui. Enquanto isso, confere a nossa cobertura lá no instagram.